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  • Jason Prado

Palavras amigas: Aldir Blanc conversa com Ana Claudia Maia e Cesar Chevrand


Aldir Blanc já falou muito da amizade, da saudade, do reencontro e do companheirismo. Nesta entrevista, como em uma conversa camarada, o autor da letra de Amigo é pra essas coisas – uma das mais conhecidas e cantadas da MPB - relembra a inspiração, as parcerias e a emoção dos amigos que marcaram sua vida, e que se desdobraram em palavras cantadas por gerações.

LC: Essa música é logo lembrada quando falamos no tema “amizade”. Palavras coloquiais, mas que expressam de uma maneira tão certa o sentimento entre dois amigos. Fale um pouco dela.

Aldir: Essa música tem uma história bem interessante, porque ela é minha segunda ou terceira composição e uma das que ficaram mais conhecidas.

Eu a fiz com uns vinte e poucos anos e até hoje vou aos lugares, nas serestas, e a garotada canta, muitos, até, sem saber que é minha, porque ela já tem mais de trinta anos. Amigo é pra essas coisas tirou segundo lugar no festival universitário com o MPB4. O meu parceira nesta música, Sílvio da Silva Jr., fez um diálogo entre as primas e os bordões do violão, mais ou menos assim: o “Salve...” são as notas mais agudas e o bordão responde, como nos sambas mais antigos. Toda a música, na verdade, sem letra, é um diálogo entre primas e bordões. Então eu tive a idéia de letrar como uma conversa entre dois amigos, da forma mais coloquial possível, usando gírias, inclusive, e isso foi muito novo para a época. Depois a música foi classificada para o tal festival e surgiu um impasse porque, pelo que eu sei, o Chico Buarque ia cantar com alguém, mas não foi possível, e veio o MPB4. Mas como um quarteto iria cantar uma música para dois? O Rui, que é a primeira voz, cantaria e os outros três responderiam? Então eles dividiram a música pelos quatro e ficou muito bacana porque a própria música virou uma ação entre amigos. A idéia de dividir o diálogo em quatro vozes é do MPB4. Resultado: minha música tirou em segundo e está aí até hoje. Viva, tanto em execução, quanto em sucesso, com várias gerações cantando. Ela ainda me enche de alegria.

“Salve, como é que vai? Amigo há quanto tempo... Um ano ou mais... Posso sentar um pouco? Faça o favor! A vida é um dilema...”

LC: A letra foi inspirada em algum amigo seu?

Aldir: Não. Quando o Sílvio chegou com a música em uma casa que eu tinha em Paquetá e a tocou, nós combinamos fazer um diálogo sobre alguma coisa boêmia, algo que já naquela época eu me ligava muito, mais como idéia do que na prática - a prática só veio depois. Naquele momento eu fiquei tão entusiasmado que corri atrás de papel e lápis, aflito, porque a cabeça ditava as palavras mais rápido do que eu podia controlar (a maioria não sabe, porém mais de 90% das minhas letras são palavras colocadas nota por nota em cima da melodia, sílaba por sílaba, e não letras prontas musicadas). E, não achando, acabo pegando um papel de embrulho velho - desses que avó costumava forrar as prateleiras dos armários – e, a lápis mesmo, vai saindo a letra a toque de caixa. Isto só acontece uma vez ou outra.

“Triste! É sempre assim... Eu desejava um trago... Garçom, mais dois! Nem sei como eu lhe pago... Se vê depois...”

LC: Em algum momento da sua vida você se identificou com suas letras? Aldir: Muitas. Há letras que eu considero bastante pessoais. O bêbado e o equilibrista, por exemplo, (que fiz com o João Bosco, e que talvez seja a música que eu mais gosto) foi feita por causa de uma conversa com o Henfil. Ele que falava no mano, no mano, no mano... Eu nem sabia o nome do Betinho. Só depois que ele voltou (do exílio) que fiquei amigo dele. Mas era tão bonita - e ao mesmo tempo tão dolorosa - a saudade que ele sentia do irmão, que fiz a letra pensando nisso.

Quando o João (Bosco) me procurou e pediu um samba pronto (se vocês repararem bem, a harmonia do samba é uma espécie de citação a Smile do Chaplin) pensei em ampliar isso para o tema do exílio, porque eu ficava realmente emocionado com o Henfil. Essa é, talvez, a música com maior identificação pessoal, por atender ao sufoco de um amigo. Mais tarde acho que virei praticamente irmão dos dois (Henfil e Betinho).

“Pois é... Tudo bem... Pra frente é que se anda.”

LC: Amor e amizade são temas constantes na música, mas enquanto o primeiro geralmente fala de desilusão, o segundo celebra o companheirismo. Este sentimento também é necessário entre os parceiros?

Aldir: A amizade entre parceiros pode adquirir as cores e tomar as feições mais complicadas, mas ela é essencial. Nas parcerias existe sempre uma competitividade muito grande, às vezes disfarçada, mas a amizade também é muito forte. No fundo, isto faz parte de quem trabalha letrando, tentando dizer palavras que o outro gostaria. Tem que se aproximar do parceiro, saber o que ele gostaria de ouvir e de dizer.

“Muito obrigado amigo. Não tem de que. Por você ter me ouvido. Amigo é pra essas coisas... É.”

(Trechos da música Amigo é pra essas coisas de Aldir Blanc e Sílvio da Silva Jr.)

Entrevista concedida em 2003 e publicada na Edição de Amizade do Caderno de Leituras Compartilhadas

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