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  • Jason Prado

Essa tal fome de livros


O que você acha que os fabricantes de automóveis, pilotos de corrida, donos de concessionárias e fabricantes de autopeças deveriam debater - e tentar planejar - na primeira vez em que se encontrassem sob coordenação do Governo?


Invertendo a pergunta: você acha que essas são as pessoas mais indicadas para debater o trânsito nas cidades? Ou as políticas de transporte público?


Dia desses aconteceu uma coisa parecida na Biblioteca Nacional.


Os Ministérios da Educação e da Cultura reuniram alguns escritores, editores e os principais dirigentes de suas associações corporativas, bibliotecários, e, por último, mas não menos importante, representantes dessas mesmas categorias da América Latina e da península ibérica para debater...


Você errou – não era mercado editorial. Muito menos os preços dos livros ou “táticas de sobrevivência numa sociedade não-leitora”. Pelo menos, não assim, abertamente.


Eles discutiam Políticas de Leitura para o Mercosul.


É digno de elogio que o governo finalmente entenda a leitura como um problema de estado, e encarregue as pastas da Educação e da Cultura de encontrar soluções para os gravíssimos problemas do analfabetismo funcional dos brasileiros.


Merece apoio a atitude de entregar a execução do PNLL a uma pessoa com o preparo do Dr. José Castilho Neto, homem de larga vivência acadêmica e de insuspeitas intenções.


Mas esta reunião só deixaria de ser bizarra se começasse com um mea culpa do MEC, reconhecendo que suas políticas são inócuas e equivocadas, como revelam as pesquisas que o próprio ministério realiza (o SAEB, por exemplo).


E se assim o é, por que então continuar comprando livros (o MEC compra mais da metade dos 380 milhões de livros produzidos anualmente no Brasil) e remetendo para todo o país, sem se preocupar com a formação dos professores e com suas competências para dinamizar esses acervos?


A reunião ganharia outro sentido se o Ministério da Cultura, anfitrião do encontro, reconhecesse que não tem verbas nem força política para implantar as bibliotecas de que o país necessita. O déficit é de mais de dez mil unidades.


Se apresentasse planos concretos para que as bibliotecas existentes funcionassem pelo menos até as 22 horas, por exemplo, e fizessem uma coisa simples e presumida: ter livros de literatura, e emprestá-los à população.


Isto mesmo. Não fique de queixo caído – neste país que discute políticas para o continente, as bibliotecas estão ganhando computadores e televisões, mas não têm os livros que fazem sucesso; os que têm não são para emprestar e, para finalizar, fecham cedo. Biblioteca, no Brasil, ainda é lugar para pesquisa escolar e sacralização de livros.


Poderia ter realizado um painel para discutir formas eficazes de utilização da Lei Rouanet para promoção da leitura, evitando que o imposto das grandes empresas sirva para produzir edições luxuosas, de finíssimo acabamento, cuja única finalidade é servir de brinde de fim de ano para seus patrocinadores.


Uma terceira questão – mas não menos importante – daria calor e sentido a este colóquio: as editoras poderiam aproveitar para explicar por quê, dois anos depois de promulgada a lei que lhes concedeu isenção de impostos sobre os livros, ainda não começaram a “contribuir” com 1% de seu faturamento, conforme estabelecido na barganha, para formação do Fundo Nacional do Livro e da Leitura. Se assim o fizessem, o Fundo deveria ter mais de 50 milhões de dólares em caixa para por em prática as políticas de estado.


Completaria o quadro se, de quebra, nos dissessem porque os livros continuam encarecendo, apesar de estarem isentos de quase 19% de tributos que incidem sobre coisas como comida e remédios. Afinal, foi com esta promessa que levaram Sua Excelência a promulgar a Lei.


A metáfora do automóvel facilita a compreensão de nossos argumentos.


Na reunião em questão sucederam-se falas auto-elogiosas sobre os méritos dos partícipes, como se o país que ostenta um índice de 95,5% de insatisfatório na compreensão de leitura entre os alunos da quarta série do ensino fundamental ficasse ao norte do Turquistão.


Há décadas esse grupo que se auto-denomina “cadeia produtiva do livro” estabelece as políticas governamentais de leitura, no rastro de falácias como aquela tão decantada, que diz “Um país se faz com homens e livros”. Esta frase foi cunhada pelo genial escritor (e vendedor de livros para o estado) Monteiro Lobato, inspirada numa citação que viu no Congresso Norte Americano, atribuída a Ernst Renan, e que diz “Uma nação se constrói com homens e idéias”.


Faltaram idéias na reunião, porque faltou voz a quem poderia ajudar o governo a tecer uma política minimamente bem intencionada. Não vi nomes como Ezequiel Theodoro da Silva, que há mais de vinte anos fundou a Associação Brasileira de Leitura no seio da Unicamp (e que promove o maior Congresso de Leitura do País). Nem vi Marisa Lajolo, Regina Zilberman, Eliana Yunes, Affonso Romano de Sant’Anna nem Tania Rösing, apenas para citar os que mais aprofundaram essa questão nos últimos tempos.


Enquanto o Brasil se empenha para piorar os índices de analfabetismo funcional, condenando mais da metade da população com nível universitário a não compreender o que está lendo, ou a escrever absurdos em petições e sentenças, adivinhe sobre o que falavam nos subterrâneos da Biblioteca Nacional, como parte das atividades do Fórum Cultural Mundial.


Eu não entendi muito bem, mas parece que tratavam da falta de pão e do preço dos brioches.

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